ABRAHÃO DE MORAES

DIRETOR DO IAG-USP
de 1955 a 1970
circa1960

Abrahão de Moraes nasceu em Itapeceríca da Serra, SP, em 17 de Novembro de 1917, filho de José Elias e Guilhermina Pires de Moraes. Consta que seu brilho manifestou-se desde tenra idade e aos 10 anos já estava apto a iniciar o ginásio (6ª. série de hoje). Crianças assim eram punidas por regulamentos fiéis à tradição de desestímulo à educação que nos vem da colonização portuguesa. Não podia fazer o exame de admissão e iniciar o ginásio porque não tinha idade para tanto! Crianças bem dotadas, que se destacassem no aprendizado primário e o concluíssem logo, eram obrigadas a fazer um ano suplementar, que não era nada mais do que uma repetição do último ano do curso primário (atual 5ª. série). Uma quase punição que depois receberia um nome pomposo: curso de admissão ao ginásio! A alternativa que foi encontrada pelos que se interessavam pelo seu futuro, foi a alteração da sua data de nascimento. Daí as controvérsias que se encontram na sua documentação, onde o ano de 1916 para o seu nascimento aparece com freqüência nas suas biografias.

Foi um dos primeiros alunos da recém criada Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo para onde se transferiu após dois anos na Escola Politécnica e onde graduou-se em Física em 1938, aos 21 anos. Participou com Mário Schenberg e Walter Schützer do primeiro grupo de pesquisa em Física Teórica criado na USP pelo Professor Gleb Wataghin. Desse tempo são seus primeiros trabalhos publicados pela Academia Brasileira de Ciências. Em 1945 participou de concurso para a cadeira de Mecânica Racional da Escola Politécnica com uma tese sobre Teoria das Percussões. Classificou-se em segundo lugar, um resultado bastante contestado na época. A classificação lhe valeu os títulos de Doutor em Ciências e de Livre Docente. Dedicou-se intensamente ao ensino tendo sido professor em diversas unidades da USP, onde seus cursos de Mecânica Racional, Mecânica Analítica, Mecânica Celeste e Física Matemática se notabilizaram pela perfeição e clareza de suas exposições. Em 1949 sucedeu Wataghin na chefia do Departamento de Física.

Sempre se interessou pela Astronomia e em 1949, juntamente com o Prof. Aristóteles Orsini e outros, fundou a Associação de Amadores de Astronomia de São Paulo da qual foi por varias vezes diretor. Foi convidado para escrever o capítulo “A Astronomia no Brasil”, do livro “As ciências no Brasil” de  Fernando de Azevedo, publicado em 1955.

Em 1954, membros do Conselho Universitário da USP, entre eles o Prof. Orsini, então presidente da Associação de Amadores de Astronomia de São Paulo e diretor da Faculdade de Odontologia da USP, discutindo a melhor solução para a sucessão do Prof. Alypio Leme de Oliveira na direção do Observatório de São Paulo (Instituto Astronômico e Geofísico da USP), chegaram por consenso ao seu nome. A sugestão foi levada pelo diretor do Observatório ao governador  do estado, Lucas Nogueira Garcez, também professor da USP e contemporâneo de Abrahão quando estudante na Poli que a acolheu com entusiasmo e tomou para si a missão de convencê-lo a aceitar a incumbência, no que foi bem sucedido. Em 1955 o Prof. Abrahão de Moraes assumiu a direção do Observatório de São Paulo.

A única atividade científica do Observatório era a coleta sistemática de dados meteorológicos. Além disso, publicava-se um Anuário Astronômico e um Boletim Ionosférico, um com as variações nas posições de estrelas e planetas ao longo do ano e o outro com as previsões mensais do estado da ionosfera e os limites nas frequências que poderiam ser utilizadas nas radio-comunicações em diversas rotas. Em ambos os casos eram adaptações de efemérides e previsões publicadas nos Estados Unidos e na Europa. O ambiente deixado pelo diretor anterior não era bom, e alguns funcionários tudo fizeram para prejudicar as atividades do Observatório e contrariar as iniciativas do seu novo diretor. Entre os funcionários havia apenas 3 ou 4 com nível superior. Nenhum era um cientista ativo. Mas dois deles, emigrados da Europa após o final da guerra, já tinham tido alguma experiência científica e várias  publicações. Suas atividades nas duas décadas anteriores foram prejudicadas pela guerra e suas sequelas. Apesar de muita arrogância, jamais chegaram a liderar projetos científicos à altura dos que seriam necessários para a modernização do Observatório.

Uma feliz circunstância ajudou o Professor Abrahão a iniciar a transformação do IAG. A ONU declarou 1957 como Ano Geofísico Internacional, uma iniciativa que congregou os esforços de 66 países em uma campanha destinada a proporcionar uma maior e melhor compreensão dos fenômenos relacionados à Terra, sua estrutura, composição., propriedades físicas e processos dinâmicos. Na medida de suas parcas possibilidades, o IAG foi engajado nessa campanha. A estação meteorológica foi renovada e uma colaboração com o Observatório Naval de Washington foi iniciada com a instalação na luneta Zeiss, de uma câmara lunar de Markowitz. As fotografias da Lua no fundo estrelado eram enviadas para o Observatório Naval onde depois de medidas deveriam servir para a determinação de irregularidades na rotação da Terra. Apesar do empenho de alguns técnicos do Observatório, o programa acabou não dando resultados com a precisão desejada por causa de dificuldades relacionadas à forma do disco lunar. Além disso, foram iniciadas varias colaborações com a Escola Politécnica. A principal delas foi a instalação no Observatório, pelos Professores Luiz de Queiroz Orsini e Antonio Helio Guerra Vieira, de um rádio-interferômetro destinado ao estudo da ionosfera através das alterações que provocava em ondas de rádio oriundas do centro galáctico.

Em 1957, imediatamente após o lançamento do primeiro satélite artificial da Terra (o Sputnik I), suas passagens eram registradas no IAG. No ano seguinte, o radio-interferômetro foi usado para o registro das passagens pelo meridiano de São Paulo do satélite Explorer I, de vida mais longa. Esses registros permitiram observar os efeitos do achatamento da Terra na precessão do plano orbital e determinar o seu valor.

REGISTRO DA PASSAGEM DO SPUTNIK 2 PELO
MERIDIANO DE SÃO PAULO.

Observação de passagem feita em 4/11/1957, dia seguinte ao do lançamento do satélite, usando o rádio-interferômetro instalado no Observatório de São Paulo (IAG-USP) pelos Profs. Luiz de Queiroz Orsini e Antonio Helio Guerra Vieira, da Escola Politécnica.

sputnik II

Estimulado por esses sucessos, Abrahão de Moraes dedicou-se a elaborar uma teoria do movimento dos satélites artificiais da Terra. Sua teoria, publicada pela Academia Brasileira de Ciências e uma das primeiras publicadas, contém o cálculo das principais perturbações orbitais devidas ao achatamento da Terra. Sua visão matemática lhe fez de imediato perceber que no caso particular do movimento de um satélite no plano equatorial da Terra, as equações são integráveis rigorosamente se forem usadas funções elípticas. O artigo inclue a solução desse problema em termos de funções de Jacobi e de Weierstrass. Mas essa história não termina aqui. Nesse artigo também se mostra que a equação do caso equatorial é idêntica à que se obtém em Relatividade Geral para o movimento de uma partícula em um campo com simetria esférica (ds2 de Schwarzschild). Desde os trabalhos iniciais da Relatividade Geral, as soluções do movimento nesse caso eram obtidas por processos de aproximações sucessivas. O artigo de Abrahão foi o primeiro a incluir uma solução rigorosa para as equações do movimento resultantes do ds2 de Schwarzschild. Aliás, Abrahão em nenhum momento renunciou ao seu passado de físico. Depois do artigo sobre satélites artificias voltou a trabalhar com Paulus Aulus Pompéia em temas relacionados à análise estatística de séries de eventos sucessivos, em que colaboravam desde os tempos de Gleb Wataghin na USP.

Possuia um conhecimento ímpar das ferramentas matemáticas da Física e um talento inigualável para a solução de problemas. Exemplo disso encontra-se em um artigo de Wilfred Stevens publicado no Monthly Notices da Royal Statistical Society sobre séries de diluições geométricas. Wilfred Stevens, egresso de Cambridge e que na sua juventude trabalhou com R.A.Fisher e F.Yates, optou pelo Brasil e aqui ajudou a construir o Departamento de Estatística da USP. Copio partes de um parágrafo desse artigo:  “Unfortunately the integrals prove to be intractable. Consider the simplest case … By numerical integration, the writer showed the result to be log 2, and an ingenious proof of this result has been found by Professor Abrahão de Moraes” (Mon. Not. Roy. Stat. Soc. Ser. B, 20, 205-214, 1958).

A escolha de Abrahão de Moraes para dirigir o IAG em 1955 foi fundamental para o futuro daquela instituição e da Astronomia brasileira. Feliz foi a circunstância de que isto tenha ocorrido quase ao mesmo tempo em que Fernando de Azevedo o convidou para escrever o capítulo de Astronomia de seu livro “As Ciências no Brasil. Aquele trabalho lhe deu uma visão abrangente da Astronomia no Brasil que, após um início razoável nos tempos do Império, havia desaparecido – As últimas pesquisas em astronomia realizadas no Brasil, os trabalhos teóricos sobre o movimento dos asteróides e as observações feitas com a luneta zenital para a determinação da variação da latitude do Rio de Janeiro, ambos de Lélio Gama, datavam da década de 1930. O contraste com o progresso que se verificava em outras disciplinas científicas era gritante. Nas conclusões daquele capítulo, Abrahão escreveu:

“Para que possa nosso país cooperar eficazmente para o progresso da astronomia, mister se faz a ereção de um observatório, ou a transferência de um dos existentes para uma região de clima mais propício, afastada dos grandes centros urbanos. Torna-se ainda necessário atrair para nosso meio alguns astrônomos de grande capacidade e enviar aos grandes estabelecimentos europeus e americanos, nossos jovens que se interessem pelos estudos astronômicos. Procedimento semelhante, empregado em outros domínios científicos, conduziu já a resultados altamente compensadores.” Astronomia no Brasil

Certamente, neste final, Abrahão de Moraes tinha em mente o que havia sido feito em diversos departamentos da USP, inclusive no departamento de Física. Por essa razão, uma de suas prioridades foi dar apoio e orientação inicial a jovens estudantes, os mesmos que anos mais tarde constituiriam os primeiros grupos de pesquisa em Astronomia Dinâmica, Astrometria e Astrofísica de nosso país. Esses grupos, depois da transformação do IAG em unidade de ensino, formaram o Departamento de Astronomia do IAG. Outra prioridade que elegeu foi a bibliotea do IAG, na qual investiu tudo o que pode. Atualizou todas as principais coleções de periódicos e as completou adquirindo de livreiros internacionais especializados os volumes que faltavam para completá-las, manteve um programa contínuo de aquisição de livros novos e adquiriu um grande número de obras clássicas. Essa biblioteca foi fundamental para a transformação posterior do IAG em uma importante instituição de pesquisa. Ao mesmo tempo, com a direta participação de Jean Delhaye, diretor do Observatório de Besançon e mais tarde diretor do Observatório de Paris, elaborou um plano destinado a dotar a nova geração com instrumentos para o trabalho astronômico. O observatório astrométrico do IAG, em Valinhos (que hoje se chama Observatório Abrahão de Moraes), equipado inicialmente com um astrolábio e um círculo meridiano, foi inaugurado em 1972. Em 1964, com o auxílio de uma comissão de astrônomos franceses liderada por Jean Rösch, iniciou os trabalhos visando a instalação de um observatório astrofísico para uso dos cientistas brasileiros. O Dr. Luiz Muniz Barreto, então diretor do Observatório Nacional, que foi o seu braço direito nessa tarefa e que coordenou os trabalhos iniciais de escolha de sítio, assumiu a liderança do projeto  após o prematuro falecimento de Abrahão de Moraes e o levou a termo construindo o que hoje é o Laboratório Nacional de Astrofísica.

Relatos existentes sobre essa época, e que se repetem de tempos em tempos em discursos sobre o passado da Astronomia Brasileira, dizem que o Professor Abrahão deu prioridade à Astrometria em detrimento da Astrofísica. Muito contribuiu para isso a luta de Muniz Barreto pela implantação da Astrofísica no Observatório Nacional, usando como contraponto a montagem de um observatório astrométrico pelo IAG-USP. Algumas frases infelizes, em documentos da época, referem-se a uma divisão de tarefas entre a USP e o ON: Astrometria na USP, Astrofísica no ON. Essa divisão nunca existiu. Circunstâncias como o recebimento por empréstimo de vários equipamentos astrométricos, a montagem de uma infra-estrutura de apoio às suas atividades, e o decisivo apoio do Observatório de Paris na organização de prolongadas visitas de seus técnicos ao Brasil para prover o efetivo funcionamento de alguns equipamentos, de fato facilitaram o início da Astrometria na USP. Mas sem que isso significasse uma opção exclusiva. O Professaor Abrahão jamais abdicaria do desenvolvimento na USP da Astronomia como um todo. Como fato concreto mencione-se o convite a Carlos Varsavsky, jovem professor da Universidade de Buenos Aires e ex-aluno de Martin Schwarzschild, para dar um curso de Estrutura Interna e Evolução Estelar, na USP,o que efetivou-se em 1961, e posteriormente (1963) o convite a Jean Delhaye para ministrar no IAG um curso sobre Astronomia Estelar. Em seguida, entre os primeiros estudantes a serem encaminhados por iniciativa do Professor Abrahão para doutoramento na França, vários tinham como motivação o futuro desenvolvimento da Astrofísica na USP. Uma vez mais, se os dois primeiros não se dedicaram à Astrofísica, as razões foram circunstanciais.

Não existe cientista sem obsessão e o Professor Abrahão não fugia à regra. As condições de pesquisa no Brasil eram difíceis. Pessoas como ele, que nos dias de hoje se notabilizam na Universidade como pesquisadores, naquele tempo se erigiam em grandes professores. E isso é o que ele era. Um professor primoroso, que sabia dar uma aula, que sabia transmitir as coisas mais difíceis, mercê, evidentemente, do domínio que tinha do cálculo, da facilidade com que imediatamente se assenhorava das passagens mais difíceis de qualquer demonstração. Eu me lembro particularmente de quando ele nos dava o curso de Mecânica Celeste, um curso para graduados no Departamento de Física, que hoje se chamaria de pós-graduação mas que, naquele tempo, se chamava de especialização. Ele preparava uma aula, em cima do livro do Tisserand, em duas horas. Pegava o livro, se fechava em um aposento qualquer da Faculdade de Filosofia, na Rua Maria Antonia, e duas ou três horas depois estava pronto para dar sua aula, e dava uma aula magistral. E preparar a aula significava escrevê-la, não era simplesmente preparar-se para uma representação. Os cadernos onde ele preparava seus cursos, eram famosos!

Da sua luta incansável resultou a transformação do IAG em unidade de ensino e pesquisa da USP. Mas não teve ele o prazer de estar vivo nesse momento e assistir ao final feliz da sua luta. Ao contrário, em vida conviveu com tenaz oposição da parte dos responsáveis pela Universidade à criação da nova unidade. Mas a comoção provocada por sua morte prematura levou o Reitor da USP, Professor Miguel Reale, a comprometer-se com a sua luta, como pleito à sua memória. E com a decisiva participação do Professor Waldyr Muniz Oliva, isso finalmente ocorreu.

Entre 1959 e 1967, Abrahão de Moraes representou o Brasil no comitê técnico da Comissão do Espaço Cósmico da ONU. Em 1967 foi aprovado para a cátedra de Cálculo Diferencial e Integral da Escola Politécnica da USP, transferida, após a reforma universitária de 1969, para o Instituto de Matemática e Estatística. De 1965 a 1970, presidiu o Grupo de Organização da Comissão Nacional de Atividades Espaciais (hoje INPE) em São José dos Campos, SP.

Faleceu em São Paulo em 11 de Dezembro de 1970.

Em vida recebeu diversas homenagens por sua incansável atuação pelo desenvolvimento da Astronomia e das Ciências Espaciais no Brasil: as “Palmes Académiques” da França, o diploma da  National Science Foundation dos Estados Unidos e a Ordem do Mérito Aeronáutico do Brasil. Foi membro titular da Academia Brasileira de Ciências. Sua memória foi homenageada pela comunidade astronômica internacional que deu o seu nome a uma cratera de impacto na Lua: A cratera De Moraes, [Latitude 49.5° N, Longitude 143.2° E] com  53 km de diâmetro.

  (S.F.M.)   
satellite
Publicações Principais

A. de Moraes, “A Astronomia no Brasil”. In “As Ciências no Brasil”, F.Azevedo, org. Ed. Melhoramentos, São Paulo, 1955, Cap. II, pp. 84-161 (reimpresso IAG-USP, 1984). 

A. de Moraes, “Effects of the Earth’s oblateness on the Orbit of an Artificial Satellite”. Anais da Academia Brasileira de Ciências 30, 465-510 (1958)

A. de Moraes e P. A. Pompéia, “Time Distribution Analysis related to Statistical Physics”,  Anais da Academia Brasileira de Ciências 33, 13-23 (1961).


 

 
sputnik-2(4/11/1957)

receptor


Eu o conheci ao fazer o vestibular para o curso de Fisica, e o tive como professor de Mecânica Racional no ano seguinte, em 1956. Suas aulas eram perfeitas, de longe as melhores de todo o curso que fiz, e sua pessoa era de muito fácil acesso. Era um professor com quem todos os alunos, imediatamente, estabeleciam um relacionamento de grande amizade, até mesmo de uma certa intimidade. Os alunos dos anos finais do curso o tratavam por um apelido carinhoso. Ele era o Pai Abrahão. Apelido correto para quem tinha realmente um comportamento com uma forte componente paternal. No intervalo das aulas, pausa para um café, sempre um grupo se formava ao redor dele no bar da esquina das ruas Maria Antonia e Dr. Vila Nova. Foi assim que um dia vimos na capa do seu caderno de anotações um carimbo redondo onde estava escrito “Observatório de São Paulo”. Para nós foi esse o momento em que soubemos que São Paulo tinha um Observatório Astronômico e que seu diretor era ninguem menos do que o nosso professor de Mecânica. O assunto do momento era a oposição periélica de Marte, prevista para Setembro de 1956, e um grupo de alunos, estagiários de iniciação científica do laboratório do Professor Oscar Sala, o acelerador Van de Graaff, discutia a possibilidade de construir um telescópio para poder observar Marte na sua máxima aproximação. Esse assunto dominou muitas vezes a conversa da hora do cafezinho. Essas conversas levaram a que, na metade do ano, ocorrendo a vacância de um cargo de técnico no Observatório, ele me convidasse a ocupá-lo. O que, de fato, aconteceu. Quando eu cheguei ao Observatório, ele preocupou-se  muito em impedir que eu me misturasse ao resto do pessoal, que ele sabia altamente viciado pelas regras da “repartição pública”. Então, eu não tive uma sala de trabalho. Eu era talvez o único funcionário do IAG que não tinha nem sala nem mesa. A minha sala de trabalho e a minha mesa de trabalho eram a sala e a mesa de trabalho do Professor Abrahão. Era uma mesa larga, eu sentava num canto. ele sentava no outro, cada um fazendo o seu trabalho. Algo que durou, dessa maneira, um tempo bastante longo. Mas, como seria de se esperar, à medida que os seus afazeres e responsabilidade íam aumentando, não era possível, na mesa do Diretor, a presença de uma outra pessoa. Eu acabei, um pouco a seu contragosto, encontrando uma mesa para trabalhar em outra sala.
No fim daquele inverno, grupos se reuniam, em serões de observação na luneta Zeiss do Observatório, observando Marte... E nos anos seguintes, trabalhando no Observatório, pude acompanhar de perto sua decisiva contribuição para transformar a repartição pública em instituto dedicado à ciência e para que fossem criadas as bases para que o IAG se transformasse na instituição que é hoje. (S.F.M.)